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A dona de casa invisível

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Hoje eu estava aqui fazendo algumas daquelas tarefas chatas, mas necessárias, que na maioria das vezes passam totalmente despercebidas para quem nunca faz, a não ser quando falta, tipo: trocar o rolo de papel toalha da cozinha, os lençóis das camas, encher os porta sabonete líquido dos banheiros, comprar o presente de aniversário da babá, fazer as malas para viajar etc. e concluí que se eu que tenho um marido que divide essas tarefas comigo acho exaustiva e injusta às vezes essa nossa condição de dona de casa invisível, imagine então como deve ser a vida daquelas mulheres cujos maridos não levantam uma palha.

Todas nós conhecemos um desses. Aquele cara que chega em casa reclamando de cansaço e não pode trocar o rolo do papel higiênico do banheiro nem dar a janta do filho porque, reparem, o cansaço do homem é sempre mais cansativo e, por isso, é mais levado a sério, enquanto que a mulher não tem sua necessidade de descanso respeitada, como se ela tivesse passado o dia inteiro com a bunda pregada no sofá vendo televisão e não merecesse um break tanto quanto o homem. Em nossa sociedade, ainda que a mulher tenha uma carreira, as funções de dona de casa e mãe são vistas como sua responsabilidade primeira e mais importante.

Em lares assim, em que a divisão de tarefas é tão injusta, mesmo que a mulher trabalhe fora se espera que ao chegar em casa ela dê início a sua segunda jornada de trabalho, que invariavelmente envolve cuidar da casa, do marido e dos filhos. Ela é responsável por tudo, do trabalho manual (limpar, varrer, lavar) ao trabalho administrativo (pagar a faxineira, ir ao banco, agendar dentista para o filho) e ao estratégico (o que servir no jantar, o que comprar de presente para o coleguinha que vai fazer aniversário, colocar o filho na natação ou no judô).

Não à toa, nós mulheres estamos sempre nos sentindo sobrecarregadas e sem tempo para nós mesmas. Depressão é muito comum entre esse grupo. Um problema subestimado por todos, inclusive pela própria mulher, que tende a priorizar o bem-estar da família em detrimento de si própria. Existe a expectativa de que a mulher nessa condição seja quase que uma heroína. Ela não deve (nem pode) adoecer porque é ela quem faz a casa e a família funcionarem. Queixas não são bem recebidas nem compreendidas. Claro, ela pode ir a academia, porque, vejam, a mulher não pode ficar feia, engordar, deixar de pintar o cabelo. Esse é outro papel ao qual ela deve corresponder. Mas com tantas outras coisas para fazer, quando ela vai arrumar tempo para malhar?

Aqui em casa tudo é dividido sem que jamais tenha sido necessário sentar e conversar sobre uma divisão de tarefas. Os dois lavam roupa, os dois aspiram, espanam, limpam, fazem supermercado, acordam de noite para cuidar dos filhos, limpam bunda de criança, dão banho neles, esfregam azulejos e desentopem privadas. Hoje ele lavou as roupas mas eu desentupi um vaso. Eu estava sem tempo de comprar os presentes de Natal das professoras dos meninos, então ele saiu do trabalho e às 8 horas da noite estava no shopping cuidando disso. Em casa, eu dei janta para os meninos, dei banho e os coloquei para dormir, tarefas geralmente assumidas por ele. A gente naturalmente trocou sem ter de debater o assunto. E ainda assim, às vezes eu me sinto sobrecarregada pelo malabarismo diário que preciso fazer para dar conta de tudo.

Não gosto nem de imaginar como é para aquelas donas de casa cujo filho não lava o próprio prato “porque isso é tarefa de menina”, cuja filha não faz a própria cama “porque isso é trabalho da empregada” e cujo marido acha normal chegar em casa, jantar e ver televisão “porque ele está exausto” enquanto a mulher, ao chegar em casa,  tem de preparar a janta para esse marido exausto, mesmo estando ela própria exausta, às vezes o almoço que ele vai levar para o trabalho no dia seguinte, ajudar os filhos com o dever de casa, verificar mochila, administrar eventuais empregada e babá. Isso quando a mulher tem empregada e babá. Porque a mulher pobre, que obviamente não conta com nenhuma estrutura de apoio, sofre mais ainda.

É uma tragédia que nosso modelo tradicional de família ainda trata a dona de casa com tanto desrespeito. Detesto quando escuto: “Meu marido me ajuda em casa”. Não, ele não te “ajuda”. Ele faz a parte dele, assim como você faz a sua. Da mesma forma que a mulher que trabalha fora não “ajuda” o marido financeiramente. Ela faz a parte dela. Porque não, não é nossa obrigação de esposa e mãe manter a casa limpa, organizada e funcionando. Essas são responsabilidades de todos da família, de acordo com o seu tempo, idade e discernimento. As classes média e alta entendem que a mulher não dá conta de tudo sozinha, mas já que a contribuição do marido e dos filhos nas tarefas de casa parece impossível numa sociedade patriarcal como a nossa, essas famílias apelam para a empregada e a babá, um fenômeno cada vez mais raro em sociedades mais desenvolvidas mas ainda tão presente e forte na sociedade brasileira.

Tudo seria mais fácil, prático e obviamente barato se os pais (sim, pai e mãe) ensinassem os filhos desde cedo a ajudarem em casa. Meus filhos são pequenos e já ajudam com tarefas simples, como colocar a roupa suja no cesto, fazer a mesa, guardar os brinquedos e espanar os móveis. Fazem tudo errado, mas o que importa é que eles estão, desde cedo, internalizando que em uma família todos devem contribuir com os cuidados da casa. Nós temos dois meninos, não importa o sexo. Enquanto meninas forem ensinadas a cozinhar e cuidar da casa enquanto os meninos são dispensados dessas tarefas, não veremos reais mudanças no nosso modelo patriarcal de família.

É nossa responsabilidade como pais educar nossos filhos de forma que eles cresçam independentes e aprendam a cuidar de si próprios. Não quero um filho de 18 anos que não sabe fritar um ovo e se recusa a fazer a própria cama. Não é “bonitinho” o filho ou a filha de vinte e poucos anos que acha que não precisa trabalhar porque vive de mesada e não ajuda em casa porque acha que tem de ser servido(a). Precisamos nos perguntar que tipo de seres humanos estamos formando e jogando no mundo. Essas são questões que nós mulheres, principalmente aquelas que vivenciam uma distribuição injusta de tarefas em casa, devemos responder se quisermos formar as próximas gerações com valores diferentes.

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